terça-feira, 8 de junho de 2010

O advogado do filho

Discorrendo sobre o júri na França, Pedro Paulo Filho conta uma defesa de Victor Hugo. Charles Hugo, filho do poeta, era redator de um jornal e assistira uma dramática cena de um condenado à morte. Montcharmont lutara tanto com os carrascos que foram obrigados a adiar a execução. A cena emocionou Charles que excomungou a pena de morte. Como a pena capital era da lei, o filho de Victor Hugo foi processado por desrespeito às leis. Aí, Victor Hugo que também era advogado, fez uma memorável defesa em favor do filho. Os anais da história registram que, em 11 de junho de 1851, perante a Corte de Apelação do Sena, Victor Hugo alçou a voz e disse aos juízes:
“O verdadeiro culpado nesse assunto, se há algum, não é meu filho. Sou eu. Sou eu que, há 25 anos tenho combatido, sob todas as formas, as penas irreparáveis. Eu que venho defendendo em todas as ocasiões a inviolabilidade da vida humana.”
“Esse crime, cometi-o muito antes que meu filho. Eu me denuncio, senhores! Cometi-o com todas as circunstâncias agravantes, com premeditação, tenacidade e resistência. Sim, declaro-o: esse resto de penalidade selvagem, essa antiga e odiosa Lei de Talião, essa lei de sangue por sangue, eu a tenho combatido em toda a minha vida, senhores jurados. E, enquanto houver em meu peito alento, hei de combatê-la com todas as minhas forças de escritor, em todos os meus atos de legislador.”
“Eu o declaro – apontando o dedo à imagem de Cristo – ante essa vítima da pena de morte, que está aí, que nos vê e nos ouve! Juro ante esse patíbulo, no qual, para o eterno ensinamento das gerações, faz 19 séculos que a lei humana afrontou a lei divina. Isso meu filho escreveu, só o escreveu porque eu o inspirei desde a infância, porque, ao mesmo tempo que é meu filho, segundo o sangue, é meu filho, segundo o espírito, porque quer continuar a tradição do pai. Eis aí um delito estranho pelo qual se quer persegui-lo! Um homem, um condenado, um miserável homem é arrastado, certa manhã, à praça pública, onde se encontra o cadafalso. Resiste, luta, nega-se a morrer; é jovem, tem 29 anos... Deus meu! Já sei que se dirá – é um assassino.”
“Porém, escutai. Dois executores o agarram. E, apesar de suas correntes, repele os algozes. Trava-se espantosa luta, o infeliz firma seus acorrentados pés na escada do patíbulo. Serve-se do cadafalso contra cadafalso! A luta se prolonga, o horror se propaga por toda a multidão. (...) Os executores fazem esforços selvagens. Preciso é que a força ampare a lei: esta é a máxima. O homem se segura ao cadafalso e pede graça; suas roupas estão rasgadas, seus ombros despidos, ensangüentados e continua resistindo. Por fim, depois de três quartos de hora... (o promotor faz sinais negativos). Retornam o homem à prisão. O povo respira, o povo que é clemente porque se considera soberano, o povo acredita perdoado o homem. A guilhotina foi vencida, porém permanece de pé. Mas, à tarde se reforça o número de carrascos que levam o homem outra vez à praça, chorando, ululando, enfurecido, ensangüentado, pedindo a vida, chamando a Deus, chamando seu pai e sua mãe (...). É levado ao cadafalso - e a sua cabeça cai.”
O filho de Victor Hugo foi condenado a cinco meses de prisão. Antes da sentença, ele ouviu este consolo do pai: “Filho meu, hoje recebes uma grande honra, olhado como um ser digno de lutar pela santa causa da verdade, na luta pelo justo. Orgulha-te e permanece inquebrantável em tuas convicções, em tua crença no porvir, em tua religião pela humanidade, em teu horror pelas penas indefensáveis e irreparáveis (...)”.
Os grandes e imortais ensinam em tudo. Temos que prestar atenção. Assim foi o poeta e escritor Victor Hugo, a quem o destino chamou para ser o advogado do filho.
(Eliseu Auth é Promotor de Justiça inativo, atualmente Advogado militante).

Um comentário:

  1. Caro Dr. Eliseu,
    Que bom saber que vieste prestigiar-nos na blogosfera com suas boas histórias! Aliás, sempre admirei sua excelente oratória - especialmente nos bons momentos políticos - porém, sua verve literária é de nos cativar ainda mais. Que bom saber que também estás do nosso lado (PT) nesse momento histórico para o Brasil e para todos os brasileiros. Mesmo estando distante de Umuarama, ainda tenho minha mãe por aí e uma irmã. Por isso, de vez em quando aportarei por essas plagas... Afinal, essa bela cidade ainda é "o lugar onde os amigos se encontram", não é mesmo?
    Como já estou ficando "meio cego" (e só uso óculos quando obrigado), se me vires andando por Umuarama à bordo de um CHEVROLET CARAVAN/1988, COR GRAFITE, cheia de adesivos do PT, do n° 13, e coisas que identifiquem nosso partido, pode parar que é o João Wolmar, esse que lhe escreve agora, ok?
    No mais, continue nos dando aulas de Direito na Internet gratuitamente. Esse último texto do Victor Hugo é simplesmente maravilhoso. Continue nos brindando com sua inteligência, lucidez e elevado espírito público. E que o Altíssimo ilumine essa mente privilegiada. Até breve!
    João Wolmar-Garuva-SC

    ResponderExcluir