terça-feira, 27 de abril de 2010

Sacerdote da Medicina

Nestes últimos falou-se muito a respeito do novo Código de Ética médica. Uma coisa necessária. Acho que foi bom inscrever nele que uma receita ilegível é falta de ética. Ninguém de nós precisa ter vocação para decifrar hieróglifos, como fez Champollion, junto às pirâmides do Egito. Então, que o nosso querido médico se esforce para escrever de forma legível. Antigamente as Escolas ensinavam "caligrafia". Escrevia-se bem mais bonito que hoje. Para comprova, basta folhar os livros dos Cartórios, os Diplomas das paredes ou as cartinhas da vovó. Tinha caderno de caligrafia. Saibam que nossa escrita vai ficar cada vez mais feia. A geração dos teclados e das telinhas e do computador já nasceu. Passam valores efêmeros e nós passamos. O tempo não passa. Tudo muda e se transforma nele. Lembro da aula de filosofia, onde o Padre Caldana repetia o princípio de Heráclito, o filósofo do vir a ser: "Panta rei, kai oudén ménei". Tudo passa e nada fica...
Ética é essencial para todos. Tem que haver Códigos de ética em todas as profissões. Não só para os médicos. Nós advogados, temos o nosso. Que tal um Código para os homens públicos? Faria um bem imenso e nos deixaria menos constrangidos. Já nos primórdios havia preocupação com a ética médica. Fico bem à vontade quando refiro a classe. Pequeno, quis ser médico. Depois resolvi ser padre. Fui fazendo o que podia e parei onde a vida me levou. Parece que deu certo e por isso penso que vocação é desenvolver a aptidão. Fico à vontade nos médicos. Foram eles que me salvaram a vida por mais de uma vez. Além do mais, meu Pablo é médico e a Valeska segue-lhe os passos e está muito feliz na Escola dos discípulos de Hipócrates.
Desde eras fugidias, há preocupação com a ética médica. No juramento de Hipócrates, está escrito: "(...) Em toda a casa, aí entrarei para o bem dos doentes, mantendo-me longe de todo o dano voluntário e de toda a sedução, sobretudo longe dos prazeres do amor, com as mulheres ou com os homens livres ou escravizados. Àquilo que no exercício ou fora do exercício da profissão, e no convívio da sociedade, eu tiver visto ou ouvido, que não seja preciso divulgar, eu conservarei inteiramente secreto (...)".
Esse Hipócrates que é patrono da medicina, foi o médico mais ilustre da antigüidade grega. Contemporâneo de Sócrates, sua fama espalhou-se pela Europa e se estendeu à Ásia, onde os persas mantinham domínio bélico. Consta que uma epidemia dizimou hordas inteiras do exército persa que tinha uma história de lutas contra os gregos. Nesse contexto de antagonismos, o rei persa Antaxerxes enviou um sátrapa até Hipócrates, chamando-o para combater a peste que matava os soldados. Com o estafeta, a promessa de magníficos presentes. Conta a história que nada disso seduziu Hipócrates que respondeu ao sátrapa enviado por Antaxerxes, que a honra o impedia de socorrer os inimigos da sua Pátria. É, a Pátria estava acima do exército inimigo. Assim, obedeceu ditames da ética de seu tempo.
A ética remete a coisas boas e coisas ruins. Bons e maus médicos. Bons maus sacerdotes. Bons maus juízes. E assim vai. Bons e maus... Até nos afrescos da Capela Cistina tem anjos e demônios. Aos bons, a melhor homenagem que seja em vida. Minha alma se ajoelha para eles. E, nesta hora, ela se prostra para um médico que exemplifica por onde passa. Coluna ruim, meio arcado, uma bengala o ajuda a andar. Pena que cada vez menos, o vejo pelas ruas. E menos o ouço. Mas, domingos de manhã, o Doutor Eduardo Giostri está no Asilo São Vicente. Lá cuida dos irmãos, feito sacerdote da medicina.
(Eliseu Auth é Promotor de Justiça inativo, Atualmente advogado militante).

terça-feira, 20 de abril de 2010

Recordações...

A vida da gente é como uma grande peça de teatro. Ou como um livro que folhamos página por página. Tem atos e capítulos que vivemos dia a dia e nela comparecem pessoas, personalidades e personagens.
Na semana santa fui visitar amigos e ex-alunos que deixei no norte do Paraná. Florestópolis, Porecatu e Miraselva marcaram minha vida. Cada um ocupa um lugar especial dentro de mim. Alguns já foram arrebatados para as paragens eternas. Outros arribaram atrás de sonhos e ideais em outras terras onde vencem e brilham. Muitos ainda estão lá. Nem todos encontrei, mas os que pude ver, fizeram um bem danado e proporcionaram um amontoado de recordações. E de muitas emoções. Bom demais foi vê-los, ouvi-los e rememorar um capítulo lindo de minha história. Afinal, foram eles que me acolheram no final nos anos setenta, quando escolhi o Paraná como querência. Vim com mala e cuia, alguns trapos de roupa, livros, meia dúzia de trocados e muitos sonhos.
Ex-seminarista, com filosofia e Estudos Sociais no currículo, fui dar aulas que é o que eu sabia fazer. Comecei no Ginásio Estadual e na Escola Normal de Florestópolis. Depois fui lecionar em Porecatu, no Ginásio Malvino de Oliveira e na Escola Normal Ricardo Lunardelli. Ensinei e aprendi, tal como diz brocardo latino: "Dum docent, discunt". Enquanto ensinam, aprendem...
Visitei os colégios. Deixei alguns livros de teatro, poesias, romances e de cultura geral. Livros que podem fazer bem aos estudantes. Na medida em que circulava pelas ruas e avenidas, ia encontrando conhecidos e recordando coisas que os anos não trazem mais. Florestópolis cresceu muito. Quase me perdi. Mexeram na estrutura da cidade. A avenida onde desfilávamos em 7 de setembro, tem contramão. Mas, pude encontrar o Orlando Marrone, Ivan Rodrigues, o Baiano, o espanhol, o Romeuzinho e sua mãe dona Ita, o Gim Cícero, o Durvalino Lago, o Moacir Fioreze, o Valter Carnelossi, o José Vieira, o Sérgio Luiz Pedro, Maria Aparecida e seu marido Nivaldo Senhorini que são co-fundadores da pastoral da criança. Fui à casa do José Morais que era vereador do MDB, em 1969. E é vereador de novo. Zuei que não gostei quando, à época, ele elogiou a ditadura. Logo para mim que vinha de Santo Ângelo, onde o regime militar me torturara porque fora presidente do Diretório Acadêmico da Filosofia. Esperava encontrar um camarada da esquerda e ele elogiou os caras. Só agora o "Zé Morais" me revelou que despistou na resposta, temendo que eu fosse ligado ao regime. Tá louco? É, tinha dessas...
Em Porecatu, com O Nosor Ianicelli Pereira e Edson Moretti, tive a honra de fundar o jornal "O Vale do Paranapanema". Ainda hoje ele circula, sob a competência e boa letra do Moretti. Abracei amigos e irmãos como o Sana, Edson e Terezinha Moretti, Dionísio, Bidinha, Beto, Nestor, Paulo Téni e Norma Barrueco. Vi Odair, Claudete e Frassato e visitei o prefeito Valter Tenam que foi meu aluno. Vi Joaquim, doutor Tomé e o doutor Agamenon. Matei saudades de outros tantos que não lembro mas que estão no meu coração.
Vindo embora, passei por Miraselva, onde abracei mais amigos. O Edson Moreira, o Donadon e o ex-prefeito Warner Negrão e dona Dinda. Já era meio dia da Sexta-feira santa. Fui filar bóia na casa do Valdenir e da Conceição, filho e nora do José Pala. Chorei ao saber que dona Vitalina tinha falecido. Mãe do Valdenir, ela era minha mãe também. Mandava uma marmita encorpada, só para que seu filho a dividisse comigo, quando fazíamos Direito em Tupã. Chorão que sou, de novo estou com lágrimas nos olhos. Culpa das recordações...

(Eliseu Auth é Promotor de Justiça inativo, atualmente Advogado militante).

terça-feira, 13 de abril de 2010

Taça de Cristal

Desde priscas eras surgiram leis que puniam os ladrões da administração pública. A mais antiga das romanas é a "Lex repetundis" que surgiu 149 anos antes do nascimento de Cristo. Teve que ser proposta por alguém do povo. Um tribuno da plebe Calpurnio Pisone foi quem a apresentou. Por ela, o desonesto tinha que devolver o que surripiara do povo. Como só devolver não adiantou, outras leis vieram. Entre elas a "Lex Julia", prevendo a devolução em quádruplo. Mais exílio e perda dos direitos civis. No Brasil, demoramos muito para, ao menos, copiar a "lex julia"e fazer a nossa própria lei de combate à corrupção. Assim há dezoito anos veio à luz a lei federal n.º 8.429/92. Uma boa lei.
Mas, continuamos com a mania de fazer de conta. Toleramos indecência demais. Se for do nosso grupo político, tem panos quentes e se a imprensa receber dinheiro, cala e fica elogiando. A gente está rodeado de coisas ruins. Desde um bom tempo sabemos, por exemplo que a Câmara de Vereadores de Umuarama registra um desfalque de mais de milhão e meio. É o que ficamos sabendo. Tudo ficou adormecido, surdo e mudo... De fato, as coisas continuam como dantes, na terra de Abrantes. E nós plebeus, estamos aqui, olhando para lá e para cá, para cima e para baixo, para ver se aparece alguém que bota o malfeito em pratos limpos. Alguém com incumbência legal para agir. Paira no ar uma impunidade cabulosa. E surgiu o que surgiu agora, porque alguém fez pouco ou nada. Saibamos que os poderes não fiscalizados se transformam em republicas de corrupção. Lá botam a mão no dinheiro público e zombam de tudo e de todos, na certeza da impunidade.
Glória a Deus, nesta semana vimos que nem tudo está perdido. O Promotor e a Juíza encarregados de cuidar da coisa pública entraram em campo. Agiram como deviam. Sem entrar no mérito do caso, tenho a sensação de que a cortina da impunidade se desvaneceu um pouco. Façam mais. Avancem nas investigações e olhem se o caso é isolado. Também queremos saber se demitiram a funcionária quais são os critérios de contratação? Foi necessidade do serviço público ou apenas uma negociação? É preciso saber porque não pagam nada com o dinheiro deles. Usam o nosso dinheiro!
Nós temos boas leis de combate à corrupção. Mas, isso não basta. É preciso aplicá-las de forma metódica e expedita. O Código Penal pune-a desde sempre. A Lei 8.429/92 é uma metralhadora giratória contra a rapinagem. Ela poderia ser melhor ainda e prever o imediato afastamento de quem está sendo processado e de quem não tem suas contas aprovadas pelo Tribunal de Contas. Mas, mesmo assim, ela não deixa de ser boa. É preciso aplicá-la de imediato. Afinal, mais importante que ter boas leis é aplicar as que existem. Vejamos, por exemplo o que sucedeu no "Morro do Bumba", em Niterói. Lá, construíram casas em cima de um lixão. Lá, também tem muita gente pendurada nas encostas dos morros, morando em áreas de preservação permanente. Tudo nas barbas de prefeito, vereadores, órgãos ambientais e Ministério Público. Ninguém se importou. Agora, temos a tragédia...
E nossa Assembléia Legislativa? Os deputados atuais e os que por lá passaram em eleições, re-eleições e tri-eleições, nada têm a ver com isso? Nem foram omissos? Espero que o Ministério Público e a Polícia Federal façam o que deve ser feito. Abram a caixa preta, inclusive quanto às verbas indenizatórias. Com dinheiro público não pode haver segredo. Como disse Francisco Nitis, ele tem que ser tratado como se estivesse numa taça de cristal, a fim de que todos vejam donde vem e para onde vai. Sim, em Taça de cristal...
(Eliseu Auth é Promotor de Justiça inativo, atualmente Advogado militante).