quarta-feira, 11 de junho de 2008

DE VOLTA À ESCOLA

Vai longe o tempo em que apanhei muito para me inteirar das regras do português. Poderia ter aprendido melhor, mas não posso reclamar. Tive bons professores de português, principalmente no seminário. Chegavam a ser chatos, de tanto que exigiam. Escrever errado, não admitiam mesmo. Análise sintática e morfológica tinham de estar na ponta da língua. Concursos de leitura e conhecimento de vocábulos, eram coisas corriqueiras e atividades paralelas à carga curricular. Elas ocorriam, inclusive, durante o almoço, no grande refeitório do internato.Para completar, tínhamos o Grêmio Líterário Estudantil, com diretoria eleita. Ele promovia sessões solenes, onde ninguém ficava de fora. Ali, nas manhãs de Domingo, apresentavam-se oradores, declamadores, contadores de “causos”, cantores e tocadores de gaita e violão. Numa ou noutra coisa, todo mundo tinha que participar. Como não tenho dom para música, fazia minha parte na falação. Certa vez, em três, declamávamos uma poesia comprida à bessa. “Vamos arrebentar”, pensávamos. Qual nada, enroscamos todos, no meio do texto. Um fiasco... O diacho é que tínhamos decorado tudo e treinado muito. Não adiantou e deu pane na memória. Aquele público crítico, feito de colegas, alguns filósofos, e dos mestres, nos fez tremer. O vexame não foi em vão. Um dia, tínhamos de aprender a lidar com a platéia.Outro instrumento de aprendizagem era a revista “O Luzeiro”, com edição mensal. Seus artigos, crônicas e “causos” eram lidos durante as refeições. Os escritos, autoria dos seminaristas, eram, criteriosamente selecionados.O enfrentamento do público era preciso acontecer. Afinal, seríamos pregadores e teríamos de estar preparados para dizer a mensagem com clareza, convicção e eficiência. No seminário maior de Viamão, pertinho de Porto Alegre, havia uma sala especial, toda forrada e emparedada com isopor. Nela, podíamos exercitar a voz, soltá-la e construir uma fala bem feita. Tudo foi de grande valia e ainda hoje é, até nas boas reminiscências que traz.A forma escorreita de dizer as coisas é importante na vida. Um português lídimo e castiço, bem falado e bem escrito, tornam a mensagem melhor e mais eficaz. A leitura de livros ou de qualquer coisa, é indispensável para tanto. A um só tempo, ela fixa a escrita, faz conteúdo, cria idéias e produz conhecimento.Venho assuntando de linguagem porque vão mexer na escrita do nosso velho português. Unificar pode até ser bom, mas mudar a gramática não é para quem se acostumou a ela. Vamos ter que reaprender. Afinal, no mundo, somos nove nações que falam o português, desde o longínquo Timor Leste. Por enquanto, não há consenso no que querem mudar. As letras “k”, “y” e “w” serão integradas ao alfabeto que terá 26 lêtras. Vão mexer nos tremas, na acentuação, nas palavras separadas por hífen e promoverão aglutinações. Quando isso acontecer, voltaremos a ser um pouco analfabetos e nos botarão de volta à Escola.
(Eliseu Auth é Promotor de Justiça inativo, atualmente Advogado).

quarta-feira, 6 de fevereiro de 2008

O MEDIATO E O IMEDIATO

Há países que admitem o aborto. De nossa parte, só em dois casos. Primeiro, se ele for necessário para salvar a vida da gestante. Segundo, se a gravidez resultar de estupro e, neste caso, há que ter autorização da mãe.
Depois que o óvulo feminino tiver sido fecundado pelo espermatozóide, já temos o ser humano. Isso, até quanto sei, é científico e se assim é, não temos o direito de matá-lo. Tem de ser gestado e parido, porque é uma vida e a vida é valor supremo na religião e na Constituição.
Em todos os carnavais, há polêmica neste país. Uma grita danada de alguns setores da Igreja, contra o uso dos contraceptivos. Uma coisa por demais. Não consigo mesmo entender porque tanto preconceito contra as pílulas anticoncepcionais e outros métodos preventivos de gravidez.
Setores radicais, de vezo escolástico, ortodoxo e leguléio, escracham os recursos que evitam a gravidez. Vou morrer e não vou entender a razão dessa gente. Essa visão arcaica e vetustamente contraditória, me preocupa. Parece que preferem o risco da gravidez impensada e irresponsável ao direito de planejar o nascimento programado e consciente do ser humano. Saibam que, quando se evita a gravidez, evita-se a formação irresponsável da gravidez e não há falar em aborto.
Creio em Deus, tenho religião e procuro segui-la. Sei que sou cheio de defeitos e de imperfeições. Quanto sou! Pode ser que, por conta disso, procuro e não consigo entender as razões dos que combatem os recursos anticoncepcionais. Sempre fui e, cada vez mais, fico contra eles nesse campo. Aprendi que essa questão não é dogma religioso. É questão de saúde pública e de política social.
Me desculpem. Dizem defender a vida quando não tem vida em jogo. Não procedem de má fé, mas é preciso lembrar que, usando anticoncepcionais, evita-se que um ser vivo seja gerado sem responsabilidade. Daí resulta que estão certos aqueles que distribuem camisinhas e outros badulaques que evitem gravidezes e mais gravidezes irresponsáveis. Se são pagos com dinheiro público, visam objetivo nobre que é assegurar menos menores abandonados, menos excluídos e, lá adiante, menos criminosos.
Se alguém disser que é preciso educar para o sexo responsável, digo que concordo. Agora, esperar que a multidão que gosta da folia e que coalha as ruas, avenidas e salões da festa do rei Momo, fique responsável e seguidora dos princípios religiosos, não dá. Enquanto não tivermos essa boa educação de nossa gente foliã e enquanto houver perigo de sexo irresponsável, camisinhas vão evitar o pior.
O ideal é mediato e está a longo prazo. Virá depois que nossa gente toda tiver-se inteirado de princípios de vida. A necessidade de evitar os males do sexo irresponsável, é imediata. Nem as nossas religiões e nem o Estado têm conseguido preparar nossa gente para o ideal. Nessa linha de raciocínio, é preciso ter em conta que, às vezes, é preciso mesmo dar o peixe, para só depois ensinar a pescar. Acho que me fiz entender. A questão é de sopesar o mediato e o imediato.
(Eliseu Auth é Promotor de Justiça inativo, atualmente Advogado militante).