segunda-feira, 14 de junho de 2010

O debate das eleições

Nestas eleições estará em debate o tamanho do Estado. Discussão ideológica. Os neoliberais afinados com Serra querem diminui-lo. Acreditam que o Estado não precisa ser dono de empresas e que o desenvolvimento advirá dos investimentos da iniciativa privada. Ao Estado a Educação, a saúde, a previdência e a segurança com os seus ônus. E só, é como pregam os partidos da vertente neoliberal. Do outro lado estarão os aliados da Dilma que entendem que o Estado precisa ser forte. Tanto que deve tomar a frente nos investimentos e regular o mercado. Um Estado suficiente, com o controle dos setores estratégicos. Que garanta equilíbrio entre ricos e pobres, freando a ganância dos mais fortes. No tabuleiro das eleições teremos o confronto dessas idéias. Nas mãos da direita ”A riqueza das Nações” de Adam Smith e nas mãos da esquerda a doutrina de Keynes, Marx e Engels. Tudo bem ajustado aos tempos, tese e antítese estarão no embate das eleições.
A experiência histórica desconstruiu o discurso radical do Estado mínimo e máximo. Mostrou que é possível um Estado síntese dos dois. Uma simbiose das correntes, com uma agenda comum que tem liberdade e livre iniciativa como pressupostos. Contudo, estamos longe do encontro das idéias. A diferença está na visão social que é a dose dos ingredientes. Liberdade sem limites e sem freios é visão kropotquiniana e anárquica que exclui o Estado e não coexiste com uma sociedade justa. Isso a direita ainda não apreendeu.
A propósito, recebi um livro especial. No sul, diriam especial de primeira. Foi presente do meu amigo Ivan Frey, médico de grande nome e que cuidou dos meus filhos. O título calha com o que discutimos acima. “Tempos de Ditadura” foi escrito por Edie José Frey, pai do Ivan. O autor é professor, advogado, músico e político em Catanduva, onde nasceu e vive. Um crítico da ditadura militar que o prendeu por três vezes. Imagino a felicidade do filho em apresentar uma obra tão rica do pai. E um filho que lhe seguiu os passos e honra a política em Umuarama. Do Ivan inda tenho “O Processo” de Franz Kafka que li, reli e tenho que ler de novo. “Tempos de Ditadura” me fez voltar à Universidade. Foi nesse tempo que aprendi a enfrentar o arbítrio, embora na árdua experiência da tortura.
A ditadura militar foi igual em toda parte. Sua inspiração veio da doutrina da segurança nacional que veio do norte da América e produziu ditaduras aqui no sul. Havia um tal “DOPS”(Departamento de Ordem Política e Social) que monitorava os cidadãos. Eram alcagoetas provavelmente pagos que delatavam quem não concordasse com os milicos. Inspirados em Robespière, Danton e Marat, espalhavam medo e terror. Essa gente fez o nosso setembro, imitando os massacres e chacinas da Revolução francesa. Só que desconheciam a lei behaviorista de que toda agressão provoca reação. Quanto mais perseguiam, mais os estudantes, operários, artistas, intelectuais. Igrejas e sociedade resistiam.
Foi nesse tempo que cheguei ao Diretório Acadêmico da Faculdade de Filosofia de Santo Ângelo. Mergulhamos em passeatas, comícios-relâmpagos, feiras de livros, debates e o escambal. Escrevemos “abaixo a ditadura” por todo lado. Denunciamos a submissão do país ao imperialismo norte-americano e questionamos o acordo MEC-USAID. Desse caldo patriótico surgiram muitos líderes, inclusive os atuais pré-candidatos Dilma e Serra.
Foi um tempo bom. Escolas e ruas brigavam por liberdade e oportunidades iguais a todos. Estado fraco e Estado forte, qual deles pode garantir isso? Eis o debate das eleições.

(Eliseu Auth é Promotor de Justiça inativo, atualmente Advogado militante).

terça-feira, 8 de junho de 2010

O advogado do filho

Discorrendo sobre o júri na França, Pedro Paulo Filho conta uma defesa de Victor Hugo. Charles Hugo, filho do poeta, era redator de um jornal e assistira uma dramática cena de um condenado à morte. Montcharmont lutara tanto com os carrascos que foram obrigados a adiar a execução. A cena emocionou Charles que excomungou a pena de morte. Como a pena capital era da lei, o filho de Victor Hugo foi processado por desrespeito às leis. Aí, Victor Hugo que também era advogado, fez uma memorável defesa em favor do filho. Os anais da história registram que, em 11 de junho de 1851, perante a Corte de Apelação do Sena, Victor Hugo alçou a voz e disse aos juízes:
“O verdadeiro culpado nesse assunto, se há algum, não é meu filho. Sou eu. Sou eu que, há 25 anos tenho combatido, sob todas as formas, as penas irreparáveis. Eu que venho defendendo em todas as ocasiões a inviolabilidade da vida humana.”
“Esse crime, cometi-o muito antes que meu filho. Eu me denuncio, senhores! Cometi-o com todas as circunstâncias agravantes, com premeditação, tenacidade e resistência. Sim, declaro-o: esse resto de penalidade selvagem, essa antiga e odiosa Lei de Talião, essa lei de sangue por sangue, eu a tenho combatido em toda a minha vida, senhores jurados. E, enquanto houver em meu peito alento, hei de combatê-la com todas as minhas forças de escritor, em todos os meus atos de legislador.”
“Eu o declaro – apontando o dedo à imagem de Cristo – ante essa vítima da pena de morte, que está aí, que nos vê e nos ouve! Juro ante esse patíbulo, no qual, para o eterno ensinamento das gerações, faz 19 séculos que a lei humana afrontou a lei divina. Isso meu filho escreveu, só o escreveu porque eu o inspirei desde a infância, porque, ao mesmo tempo que é meu filho, segundo o sangue, é meu filho, segundo o espírito, porque quer continuar a tradição do pai. Eis aí um delito estranho pelo qual se quer persegui-lo! Um homem, um condenado, um miserável homem é arrastado, certa manhã, à praça pública, onde se encontra o cadafalso. Resiste, luta, nega-se a morrer; é jovem, tem 29 anos... Deus meu! Já sei que se dirá – é um assassino.”
“Porém, escutai. Dois executores o agarram. E, apesar de suas correntes, repele os algozes. Trava-se espantosa luta, o infeliz firma seus acorrentados pés na escada do patíbulo. Serve-se do cadafalso contra cadafalso! A luta se prolonga, o horror se propaga por toda a multidão. (...) Os executores fazem esforços selvagens. Preciso é que a força ampare a lei: esta é a máxima. O homem se segura ao cadafalso e pede graça; suas roupas estão rasgadas, seus ombros despidos, ensangüentados e continua resistindo. Por fim, depois de três quartos de hora... (o promotor faz sinais negativos). Retornam o homem à prisão. O povo respira, o povo que é clemente porque se considera soberano, o povo acredita perdoado o homem. A guilhotina foi vencida, porém permanece de pé. Mas, à tarde se reforça o número de carrascos que levam o homem outra vez à praça, chorando, ululando, enfurecido, ensangüentado, pedindo a vida, chamando a Deus, chamando seu pai e sua mãe (...). É levado ao cadafalso - e a sua cabeça cai.”
O filho de Victor Hugo foi condenado a cinco meses de prisão. Antes da sentença, ele ouviu este consolo do pai: “Filho meu, hoje recebes uma grande honra, olhado como um ser digno de lutar pela santa causa da verdade, na luta pelo justo. Orgulha-te e permanece inquebrantável em tuas convicções, em tua crença no porvir, em tua religião pela humanidade, em teu horror pelas penas indefensáveis e irreparáveis (...)”.
Os grandes e imortais ensinam em tudo. Temos que prestar atenção. Assim foi o poeta e escritor Victor Hugo, a quem o destino chamou para ser o advogado do filho.
(Eliseu Auth é Promotor de Justiça inativo, atualmente Advogado militante).

terça-feira, 1 de junho de 2010

Quando a jabulani rolar...

Aos poucos o clima da copa toma conta de todos. Não tem idade, preferência ou gosto que resista. Para nossa gente este tempo é ecumênico porque une gregos e troianos e bota do mesmo lado quem a vida botou em lados opostos. Palmeirenses e corintianos, colorados e gremistas, crentes e ateus, esquerda e direita. Todos ficam iguais, esquecem as diferenças e torcem pelo mesmo time. Até quem não aprecia o esporte é arrastado para dentro do futebol.
Para torcer, nada vai servir de estorvo. Nem o mau humor do Dunga. Nem a seleção que não é a que queríamos. Nada vai impedir figas, fogos, vestimenta amarela, reza e oração. Mas, não sai da cabeça que a seleção poderia ser melhor. Gremistas queriam ver o Vitor e Ronaldinho lá, mas quem manda dar chapéu no homem? Cada um queria um do seu time. É, o meu amigo Jair Cirino que foi Promotor em Umuarama e dirige o Coritiba da capital, garanto que torceu pelo Rafinha. Brincadeira à parte, todos queríamos os "meninos da Vila" na seleção. Num dia sem inspiração, eles resolveriam. Só Dunga não quis. Ele me lembra aquela mãe que viu o filho marchando fora do ritmo. Aí bateu no peito e saiu falando que o quartel é que marchava errado. Só o filho dela estava certo.
É muito mau humor num sujeito só que chegou a acionar polícia para receber humoristas de televisão. E democracia pouca, embora a imprensa às vezes chata. Quando lidamos com o que pertence a todos, não tem que ter limites nem para o humor. Muito menos reservas em atender a quem quer que seja. A CBF é de quem? Para os dirigentes, parece que ela é propriedade privada do seu Ricardo Teixeira que a herdou do sogro Havelange. Entra ano, sai ano e eles estão lá. Elegem-se, reelegem-se, trielegeu-se e vão se eleger de novo. Os verbo pode não existir, mas as práticas existem e garantem a eternização do poder. Isso deveria ser proibido porque reeleição nem sempre é coisa boa. Só que nada vai mudar. Nem na CBF, nem nas Federações, nem na política, nem em lugar nenhum. Os caras entram e não saem mais. Mas, poder que não se renova é sinônimo de ditadura.
Olhando as coisas assim, entendemos porque o presidente da CBF e seu técnico agem como agem. Acham que a seleção é só deles. Não dão satisfação a "nádie". O colega do dengoso diz que convocação é problema de ninguém mais que dele. Se alguém discorda, fecha a cara e mostra os dentes. Tudo em nome da coerência. Saiba, caro técnico da seleção, que perder ou ganhar não é problema só seu. É nosso também.
Os homens da CBF acham que não, mas a seleção é do povo. No fundo, é ele que sustenta toda a pompa e gala de dirigentes e jogadores. A CBF não está acima do bem e do mal, mas deve satisfação ao Ministério dos Esportes do país. Então ela nos pertence, brasileiros que somos e que amamos a Pátria desde antes de Tiradentes. Saibam todos que a quadra da história que vivemos adquiriu consciência de que o Brasil é de todos. Os que agem como se tudo dissesse respeito a meia dúzia, não passam de petulantes. Mais que isso: Imitam os déspotas que não ouvem ninguém. E lembram um certo Calígula, que impôs seu cavalo Incitatus como senador do Império romano.
Mas, queremos torcer muito, apesar dos pesares. Queremos estar equivocados ao discordar e pensar que o povo tem lá seu valor. Ele é sofrido, mas tem muita fé. E por isso, vai estar com um olho no céu e outro na seleção. Deus não é brasileiro? Então, fé n´Ele que o hexa vai vir. Quando a bola rolar. Digo, quando a jabulani rolar...
(Eliseu Auth é Promotor de Justiça inativo, atualmente Advogado militante).